terça-feira, 29 de setembro de 2015

Uma narrativa do Caminho de Santiago de Compostela e a Época de Micael

Justificativas.
Desculpas.
Negações.
Auto-flagelo.
Otimismo.
Euforia.
Incentivo.

.... Mente .....

No último mês de setembro eu, meu marido e um casal de amigos fizemos o Caminho de Santiago de Compostela, de bicicleta, de Roncesvalles à Santiago, 790km, 13 dias pedalando entre sol, chuva, vento e a mente.

Adversidade constante, seja ela o terreno, a língua, a bagagem, a técnica de pedalar, as assaduras, a comida (se demais ou se de menos), o tempo e eu mesma, por que sim, em muitos momentos a adversidade estava dentro de mim, na minha mente.

Hoje o post não é para falar das belezas incontáveis, das cidades, das inúmeras histórias do Caminho, das pessoas incríveis que conhecemos lá, das comidas maravilhosas, da satisfação que senti em todos os dias, de como me senti acolhida e em casa naquele lugar e de como esta foi a melhor viagem da minha vida!

Hoje quero compartilhar com vocês uma outra faceta do Caminho, que não é de a esporte de aventura. Mas que é de presença.

Enquanto fazia o caminho eu estava presente e todas as vezes que a minha mente devagava algo me fazia voltar, de novo, a atenção para o Caminho. Isso foi o que ensinou o meu primeiro tombo, no primeiro dia, num barranco cheio de espinhos: "esteja aqui, atenta, inteira, presente". E foi o que me ensinou o último tombo, no último dia, quando a Catedral de Santiago estava a pífios 5km de distância: "você ainda não chegou, o caminho ainda não acabou, esteja aqui, esteja atenta, inteira, presente".

Diferente do que eu imaginava, a chegada - nem de perto - foi tão emocionante quanto os dias que passei fazendo o Caminho. Era só um marco, um símbolo do fim. Escrevendo essas linhas me transporto para lá de novo, não para a chegada, mas para alguns flashs do Caminho...um suspiro, um sorriso...que dádiva foi poder, pelo menos nesses 13 dias ter vencido a minha mente em alguns momentos.

Sem justificativas. Sem desculpas. Sem negações. Sem auto-flagelo. Sem passado. Quem eu "fui" não me fez ser melhor ou pior durante o meu caminho.
Sem os exageros do otimismo. Sem as ilusões da euforia e do incentivo. Sem futuro. Quem eu viria a ser não me fez ser melhor ou pior durante o meu caminho.

Eu simplesmente estava lá. Eu tinha fé em mim. Eu tinha fé nas pessoas que estavam comigo. Eu tinha fé no caminho. E, para mim a fé não vem da mente, ela vem do coração. Ela é. Ela está. Presente.

Hoje, nas escolas Waldorf do mundo inteiro é celebrada a Época de Micael. Arcanjo Miguel. Micael é arquétipo da coragem para as crianças do primeiro setênio. A etimologia da palavra coragem vem do Latim Coraticum, ação do coração.

Micael é aquele que nos incentiva a lutar contra nós mesmos, não contra o outro, não contra o mundo, contra a nós mesmos. E foi contra mim que lutei no Caminho. Foi para dentro de mim que o Caminho me levou, um retorno à mim mesma.

Nos últimos anos, na época de Micael, tenho lido e enviado à alguns amigos um verso lindíssimo do Rudolf Steiner, chamado "Forjando a armadura", que fala sobre Micael.

Mas, dessa vez, vou compartilhar o mantra que me embalou, que embuiu de coragem enquanto pedalava quilômetros e quilômetros lá no Caminho e que representa tão bem esta luta da qual Micael é o embaixador.

ASATO MÃ SAD GAMAYA
TAMASO MÃ JYOTIR GAMAYA
MRITYOR MÃ AMRTYUM GAMAYA

OM SHANTIH, SHANTIH, SHANTIH

Tradução livre
DO IRREAL, GUIE-ME AO REAL
DAS TREVAS, GUIE-ME À LUZ
DA MORTE, GUIE-ME À IMORTALIDADE.
OM PAZ, PAZ, PAZ.

*foto de minha, tirada no penúltimo dia de pedal, já na Galícia. Na placa: "O caminho te dá oque precisas. Aproveite-o"