Waltz - Leonid Afremov |
Estou sentada na mesa do meu escritório, pela janela à minha frente
avisto uma árvore frondosa, com os seus galhos remexendo para lá e para cá,
dançando no rítimo do vento frio de uma tarde ensolarada de outono.
Tento escrever o que foi a experiência que eu e mais 30 pessoas vivemos
nestes últimos três dias ... num encontro, intenso, de conversas sobre a morte.
O barulho ensurdecedor das palavras dentro de mim se depara com a barreira do
silêncio que faço. Não sou capaz de colocar os pensamentos em palavras. Volto a olhar a janela.
Da dança entre os galhos e o vento, observo uma folha que cai, ainda
existe nela uma dança e ela, inteiramente presente no seu processo de morte baila,
alegremente, até tocar o chão.
Meu pensamento se desloca, rapidamente, para o tempo, para as
histórias e as pequenas
e grandes mortes do dia-a-dia. E na música frenética dos meus pensamentos
resolvo fechar os meus olhos por alguns instantes, na esperança que eles
apaguem a luz da minha mente e coloque os pensamentos para dormir.
Me sinto como um grande salão e em uma inspiração profunda as janelas se
abrem, uma brisa suave entra, a atmosfera se serena, já não existe barulho.
Um dançarino adentra ao salão. Numa vitrola antiga coloca um vinil. O tocar da agulha no disco preto faz ecoar um som que me traz a memória as boas
músicas da infância...é uma valsa. Com passos calmos e firmes vejo-o caminhar em minha
direção e, ao mesmo tempo que sua mão direita me convida para a dança, ouço o
iniciar da cantoria “um dia ele chegou tão
diferente, do seu jeito de sempre chegar...”
Não apresenta sua face, mas quando a sua mão esquerda se acomoda na minha cintura,
delicadamente sussura seu nome em meu ouvido: Eu sou o tempo.
Eu e a música
paralisamos sincronicamente. Nos olhamos. Ele dum jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar. Sustentamos um o
olhar do outro, nos reconhecíamos. Eu n’Ele, Ele, em mim. Um avalanche de
sentimendos me inundou, ele apertou a minha mão um pouco mais forte. Primeiro pedi
licença ao medo e não maldisse a vida
tanto quanto era meu jeito
de sempre falar e fechei os olhos.
Dentro de mim começei a descer as escadas das minhas dúvidas, da raiva,
da tristeza, dos meus julgamentos muitas vezes cruéis sobre mim e sobre os
outros...meu coração dispara. Estou prestes a reencontrar algo precisoso.
Abro uma porta velha com fechaduras enferrujadas. Olho e me vejo, aquela eu
de quem tanto gosto e não a deixo só num canto; pra seu grande
espanto convido-a para rodar.
Então ela se fez bonita
como há muito tempo não queria ousar, com seu vestido decotado cheirando a
guardado de tanto esperar subimos as escadas correndo. Quando abro os olhos é através
dela que o vejo de novo e tão rápido quando um pensamento passo ser uma
observadora de mim mesma. Daquela cena. Daquela eu de quem tanto gosto. Sorrio.
“Depois os dois
deram-se os braços como há muito
tempo não se usava dar, e cheios de ternura e graça foram para a praça e
começaram a se abraçar. E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda
despertou, e foi tanta felicidade que toda a cidade se iluminou. E foram tantos
beijos loucos
tantos gritos roucos como não se ouvia mais. Que o mundo compreendeu...”
tantos gritos roucos como não se ouvia mais. Que o mundo compreendeu...”
Como uma linda aquarela a cena começa a se dissipar. Inspiro
profundamente e abro os olhos. Olho pela janela e lá fora já é noite, mas é
cheiro de dia raiando que respiro. O dia amanheceu em paz.
*inpirado na Valsinha de Chico Buarque de Holanda.