Hoje é o dia que se inicia o calendário do Advento, faltam 24 dias para o Natal. Desde 2014 os Natais para mim são diferentes, as emoções felicidade, tristeza, alegria e gratidão dançam abraçadas dentro do meu corpo.
Resolvi fazer deste primeiro dia de Advento um dia de gratidão às forças supremas do Universo. Este texto é a materialização disso. Ele nasceu durante o lindo curso Como se encontrar na escrita, da Ana Holanda, pela The School of Life.
Ana, você e grupo deste curso morarão no meu coração, para sempre! Obrigada!
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Era
julho de 2013, um domingo frio em São Paulo e eu e Rudolf, meu companheiro nos
últimos 12 anos, resolvemos deixar nossas filhas Gabriela e Ana Clara, na época
com três e um ano sob os cuidados da avó paterna para irmos a um sermão da The
School of Life sobre o arrependimento e a morte.
Naquele
domingo choramos e agradeçemos. Saímos de lá, duas horas depois, em completo
silêncio, pelos quase 12 kilômetros que separam a Rua Augusta da nossa casa.
Para mim, era a primeira vez que o assunto morte era ouvido e sentido numa
situação onde ela, a morte, não estava dolorosamente presente, de corpo e alma.
Mal sabia que iria visitar e relembrar essas duas horas, em breve.
Alguns
meses se passaram e, tratei de começar, antes do fim, a colocar uma das minhas
resoluções de fim de ano em andamento e, mais uma vez, vi-me numa situação e
num lugar onde o convite a pensar sobre a morte era feito. 23, 26 e 27 de dezembro,
Monja Coen, o Budismo em três lições. Terceiro ato: sobre o nada e o vazio, os
movimentos da vida. Só conseguia sentir, as palavras me faltavam e o silêncio
me dominou novamente.
24
de Dezembro de 2014. São Paulo acordou com o típico dia brilhante de verão. Quente,
o sol deixava as árvores e as flores ainda mais bonitas e coloridas. Eu amo Natal,
sempre amei e este seria especial: o primeiro na nossa casa! As meninas estavam
elétricas, eu e Rudolf não víamos a hora da noite chegar, os preparativos
estavam a mil e a felicidade reinava, absoluta.
Estou
sentada no chão da cozinha terminando os últimos arranjos de flores, dali a
pouco, em alguns minutos, a família aqui de São Paulo começaria a chegar. O
telefone toca, era minha irmã de Salvador, atendo com a mais eufórica das vozes.
Ela, séria, taciturna: a mamãe passou mal, estamos no hospital. Meu corpo gela,
tenho a sensação de que ele pressente algo. Ela conta os detalhes do que
aconteceu, diz que a mamãe esta sendo atendida e que ligaria quando tivesse
alguma novidade.
Desligo
o telefone e sinto como se o tempo tivesse congelado e percebo que os meus
olhos já não veem as árvores e as flores com o colorido de antes. Atravesso o
corredor da minha casa e aviso a Rudolf. Ele tenta me acalmar mas parece que a
minha alma já sabia o que estava por vir.
Subo
para o meu quarto e, diante do meu altar, eu rezo. Peço pela minha mãe e por
mim. Meu coração acelera e depois dos longos minutos que passei em oração,
resolvo tomar um banho para acalmar a mente. Em seguida o telefone toca. Olho
no visor, é a minha irmã. Por alguns minutos eu penso que não quero atender
aquela ligação, ela tinha um cheiro diferente.
“Os
médicos disseram que ela não resistiu”.
Meu
corpo gela. Não sinto o chão sob os meus pés. Choro. Não acredito e pergunto se
aquilo realmente estava acontecendo, se era verdade ... Para todas as perguntas
de negação, encontrava o sim como resposta.
Algumas horas mais tarde já estava no avião a
caminho de Salvador. O silêncio me dominava, sentia-me anestesiada por dentro.
E assim passei por todos os rituais de despedida. Como filha mais velha recebi
a nomeação – digo nomeação porque não pedi nem me voluntariei – de dizer
algumas palavras no momento final de despedida. Sentia calafrios, meu coração
estar sendo esmagado. O barulho dentro de mim era imenso. Mas da pele para
fora, as pessoas só me viam entre lágrimas e soluços recitar o Soneto de fidelidade, de Vinícius de
Moraes, a única coisa que consegui dizer naquele momento, não conseguia falar
de mim e do que eu sentia com as minhas própias palavras.
E assim, quando mais tarde me procure
Quem sabe a morte, angústia de quem vive
Quem sabe a solidão, fim de quem ama
Eu possa me dizer do amor (que tive):
Que não seja imortal, posto que é chama
Mas que seja infinito enquanto dure.
Entre
os abraços e beijos que recebi no final, ouvi de alguém: “Agora é vida que
segue”. E ela, de fato, segue. O meu corpo acordava da anestesia a cada dia que
passava. Aos poucos já conseguia falar com os amigos sobre o que sentia e foi
numa dessas conversas, daquelas em que eu parecia o narrador de uma peça
enquanto falava, que me dei conta do último ano e como, de certa forma, aquelas
escolhas que eu fiz de ouvir sobre a morte foram uma homeopatia em doses
antecipadas.
Olhei
pela janela do restaurante que almoçávamos, ainda era verão. O Sol, brilhante e
quente, deixava as árvores e as flores ainda mais coloridas. Conseguia enxergar
de novo, o meu corpo estava descongelando.
2016.
Uma
pausa. Olho pela janela, cinza. Hoje é, de novo, um domingo frio e chuvoso em
São Paulo. Música clássica toca na cozinha, enquanto as panelas fazem barulho.
As crianças brincam na sala e eu aqui, mais uma vez, revisitanto a morte. Penso
nessa lógica tão própria e maluca do universo e de como sua matemática parece
perfeita em alguns momentos, daquele jeito desconcertantemente óbvio, quando eu
olho para trás.
Lá
fora, frio, aqui dentro, quente.
3 comentários:
Muito bonito, minha amiga, pleno de significados como é a vida.
Ela está sempre certa, a gente é que demora para entender.
Receba, novamente, um abraço carinhoso nesse primeiro dia do Advento.
Ah dona Hellene...tão certeira no sentir e traduzir isso em palavras...senti tua dor e a vivi neste ano de tantas perdas para mim. Mas lendo seu texto, saiu um raio de sol no meu peito. O corpo descongela. Obrigada por me ajudar a me aquecer.
Hellen
..."ainda que levem a matéria
ainda que desesperem minha calma
que nada me tire ou me roube a leveza
da minha alma"
Camila Lordelo
Gratidão 🙏🏻
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